Fome no Brasil poderia ser erradicada com menos do que o valor liberado pela Lei Rouanet
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Estudos recentes apontam que a fome no Brasil poderia ser erradicada com um investimento anual de R$ 13,2 bilhões
Por Andrey Neves
O montante necessário para a distribuição de 26,2 milhões de toneladas de alimentos às famílias em situação de vulnerabilidade. A estimativa é da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
Esse valor, embora significativo, representa menos do que os R$ 16,5 bilhões liberados pelo governo federal em 2023 através da Lei Rouanet, o maior montante destinado ao incentivo cultural nos últimos 21 anos. A Lei Rouanet, principal mecanismo de fomento cultural do país, financia projetos artísticos e culturais por meio de renúncia fiscal, permitindo que empresas e indivíduos patrocinem iniciativas e deduzam parte desse valor do Imposto de Renda.
A fome como prioridade
A comparação reacende o debate sobre a prioridade na alocação de recursos públicos em um cenário onde cerca de 33 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar grave, segundo dados da Rede PENSSAN (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional). Especialistas argumentam que, embora o apoio à cultura seja essencial, o combate à fome deve ser tratado como uma urgência humanitária e econômica.
Lei Rouanet: acesso restrito e grandes nomes beneficiados
Embora a Lei Rouanet tenha o potencial de gerar milhares de empregos no setor cultural, os recursos acabam sendo direcionados, em grande parte, a grandes artistas e produtores que já possuem visibilidade e acesso ao mercado. Artistas renomados como Claudia Leitte, Luan Santana, Maria Bethânia, Ivete sangalo e outros grandes nomes já receberam valores expressivos ao longo dos anos. Muitos desses projetos geram renda para suas equipes e funcionários, mas não impactam diretamente a massa pobre do Brasil, que muitas vezes conhece a lei apenas pelo nome.
Essa realidade contrasta com a situação de pequenos artistas das periferias, que encontram inúmeras barreiras para acessar os benefícios da lei. “Se a Lei Rouanet fosse realmente pensada para a grande população, teríamos grandes oficinas e centros culturais em regiões periféricas, criando novos agentes culturais e possibilitando que pequenos artistas, que temos aos montes no Brasil, pudessem viver de sua arte e empregar seus círculos de amizade”.
Cachês milionários e cobrança de ingressos
Outro ponto que gera críticas é o fato de muitos dos artistas que utilizam a Lei Rouanet cobrarem ingressos caros em seus shows, peças de teatro e outros eventos. “Se esses projetos fossem realmente voltados para a cultura e para o povo, esses eventos deveriam ser gratuitos, pois os artistas já foram pagos com cachês milionários, assim como toda a sua equipe, por meio dos recursos incentivados”.
Essa prática é vista como uma “covardia” por críticos, que argumentam que a lei deveria priorizar a democratização da cultura, permitindo que a população mais pobre tivesse acesso a eventos de qualidade sem custos adicionais.
Produção agrícola x Insegurança alimentar
Outro ponto de destaque é a contradição existente no Brasil: um país que figura entre os maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, mas ainda convive com milhões de pessoas passando fome. “É inadmissível que um país com a capacidade agrícola do Brasil tenha tantos cidadãos em situação de insegurança alimentar. O problema não é a produção de alimentos, mas a distribuição e as políticas públicas ineficientes”.
O debate sobre a alocação de recursos no Brasil não é apenas uma questão de valores, mas de prioridades. Em um país com tantas desigualdades, a busca por um equilíbrio entre o incentivo à cultura e a garantia de direitos básicos, como alimentação, se torna essencial para um desenvolvimento justo e sustentável. Enquanto grandes artistas usufruem dos recursos da Lei Rouanet, milhões de brasileiros ainda aguardam políticas públicas que possam garantir o básico: um prato de comida e oportunidades reais de transformação social.
Parece que o governo do amor ama a cultura e não os brasileiros