Bate-Pavão | A temporada oficial do “Perdeu, Mané”
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Por Andrey Neves
Depois de tantas “brincadeiras” perigosas que aceitarmos ao longo dos últimos anos — e que já custaram a vida de milhares de brasileiros — o país parece ter estreado mais uma temporada sombria. A diferença é que agora a piada vai perdendo a graça toda vez que colocamos os pés fora de casa.
Antes de tudo, vale relembrar do que se trata o tal do bate-pavão, uma “dinâmica” bastante popular em escolas anos atrás. Funcionava assim: ao menor sinal de uma batida mão e a frase “bate-pavão”, seus doces, figurinhas ou qualquer objeto de valor simplesmente mudavam de dono. Estava “contratado”, não tinha discussão. Era o mais rápido, o mais astuto — ou o mais canalha — que levava a melhor.
Pois bem. O Brasil virou isso. E quem parece ter oficializado essa “regra” foi ninguém menos que o ministro Antonio Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sua decisão mais recente afirma que tomar um celular da mão de uma vítima de forma brusca, sem violência física ou grave ameaça, não configura roubo. É “apenas” furto simples. Segundo ele, “a mera surpresa ou rapidez na subtração, desacompanhada de violência física ou grave ameaça, não é suficiente para caracterizar o roubo”.
Em resumo: a turma do bate-pavão venceu. E você, cidadão, está automaticamente “contratado” nessa nova fase do jogo. Bem-vindo à temporada em que perder faz parte das regras. Se sair de casa com um celular no bolso, saiba que ele talvez já não seja mais seu — mas pelo menos, segundo o STJ, não foi um roubo.
A arte imita a vida, ou o contrário? Estamos em 2025, e a sensação é de que já vivemos um episódio-piloto de algo entre o Round 6 e o Jogo da Morte. Talvez o próximo capítulo venha em 2026, e o trocadilho está servido: o “Round Vinte-e-Seix” — onde cada passo em falso pode te tirar do jogo, da dignidade e da própria vida.
No meio disso tudo, o INSS protagoniza mais um capítulo da série “Donos da Bola”. Uma jogada de mestre: desvio de bilhões, e ninguém é chamado a depor. Ninguém. Absolutamente nada acontece. Os brasileiros seguem perdendo, e os mesmos de sempre seguem mandando no jogo, com apito na boca e cronômetro na mão.
O requinte de crueldade dos que elegemos — e que elegem quem realmente manda no país — está na naturalização da desgraça. Os brasileirinhos seguem na arquibancada da vida, sempre na próxima (sempre café com leite), nunca titulares. Sempre torcendo para ver se algum dia conseguem mandar na própria casa chamada Brasil.
Essa ladeira sem freio lembra os carrinhos de rolimã da infância, quando os próprios pés eram os freios e o corpo era o para-brisa. A diferença é que agora, quem bate somos nós. E quem sangra também. Ainda assim, cabe lembrar que se há um jeito de parar esse “grupo do amor” — que ama mesmo é o próprio bolso — é com o dedo na urna.
Isso, claro, se ainda quisermos brincar de ser felizes em algum lugar desse país.
Enquanto isso, segue estampado na testa do povo o bordão mais honesto da temporada:
Perdeu, mané.