No Brasil, megafone e piada dá processo e prisão. Mensalão, não.

Published On: 05/06/2025 12:53Etiquetas: , , ,

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Enquanto cidadãos comuns viram alvo da PF por críticas, políticos escapam com decisões técnicas, piadas viram crime e a hipocrisia segue blindada no poder

Por Andrey Neves

Imagine o Brasil como um grande tabuleiro. Nele, os peões seguem as regras. Os reis, não. E quando algum peão ousa falar sobre isso, entra em cena a Polícia Federal.

No dia 8 de abril, em frente à casa de Lula, no bairro Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, uma mulher usou um megafone para gritar “Lula ladrão”. Dias depois, o então ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, solicitou à Polícia Federal a abertura de uma investigação por possível crime contra a honra do presidente. Sim, você leu certo: gritar o que milhões já disseram virou assunto de inquérito.

O processo começou após o Ministério da Justiça, então comandado por Ricardo Lewandowski, requisitar apuração sobre a possível calúnia. Na prática, querem saber se chamar Lula de “ladrão” — ainda que ele tenha sido condenado por corrupção em três instâncias e preso por isso — é um crime contra a honra de um presidente que hoje, aos olhos da Justiça, não é inocente, mas sim “não culpado por um detalhe de CEP”.

Lula foi solto porque o STF decidiu que Sérgio Moro não tinha competência territorial para julgá-lo. A condenação foi anulada. As provas, não. As delações, não. O dinheiro devolvido pelas empreiteiras, muito menos. Mas isso pouco importa: o rei do tabuleiro foi liberado e pôde concorrer — e vencer — a eleição.

Enquanto isso, a mesma Justiça que se apega a vírgulas processuais para livrar políticos, autorizou a prisão de Robinho no Brasil, com base numa condenação definitiva por estupro na Itália. O Brasil não extradita seus cidadãos, mas resolveu importar a pena estrangeira para cumprir aqui mesmo. A diferença? Robinho não tem foro, nem bancada, nem a simpatia da máquina.

E o ex-presidente Jair Bolsonaro? Acusado de tentar um golpe com base numa minuta de decreto que sequer foi assinada, discutida ou executada. Está inelegível. A justiça não encontrou o golpe, mas puniu a intenção — ou a mera suspeita de intenção.

Conclusão? O crime, no Brasil, é relativo. O que vale não é o que você fez, mas quem você é.

Se você é um cidadão comum e critica um político, pode virar alvo da Polícia Federal. Se for político e tiver os amigos certos, até o que está gravado, documentado e comprovado… evapora.

A mulher que gritou “Lula ladrão” virou investigada. Mas ninguém investiga quem, de fato, bagunça as peças do tabuleiro para sempre ganhar.

E para completar o circo, o humorista Léo Lins foi condenado a 8 anos de prisão por fazer piadas. Piadas. Sim, eram piadas de extremo mau gosto, dirigidas a pessoas com deficiência, e muitos as consideraram inaceitáveis. Mas ele as fez em um ambiente fechado, para um público pagante que escolheu estar lá (incluindo deficientes que agradeceram por suas piadas). Por mais que não seja 100% correto — e aqui não estou para julgar ou defender —, vale a comparação. Quando a piada vira crime, mas a corrupção vira cargo público, algo de errado não está certo.

Quer falar de crime real? Então vamos falar também das casas de aposta e seus influenciadores milionários que ganham dinheiro com a desgraça alheia — lucram justamente com o que seus seguidores perdem. Ou vamos falar das casas de prostituição travestidas de eventos sociais, frequentadas e protegidas por quem faz as leis. Mas o problema do Brasil, veja só, é a mulher com megafone e o humorista com microfone.

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