Entre suspeitas na ABDI, silêncio de Lula e avanço discreto de Leandro Grass, Ricardo Cappelli vê seu protagonismo desmanchar em câmera lenta
Há trajetórias em Brasília que mereciam um aviso de “cuidado: contém metáfora viva”. Ricardo Cappelli é uma delas. Transformou-se no símbolo perfeito do político que acredita na própria narrativa com tanta devoção que esquece de olhar pela janela enquanto o cenário rui. De ex-secretário-executivo a interventor, passando pela presidência da ABDI, ele acumulou cargos como quem coleciona chaveiros de aeroporto. O problema é que agora sobra chaveiro e falta porta.
No outro lado do tabuleiro, Lula parece ter encontrado um perfil mais conveniente: Leandro Grass. Ele não leva multidões ao delírio, não arranca aplausos no Eixo Monumental, mas funciona. E, em Brasília, funcionar já é muita coisa. Grass virou o personagem que soma pontos em silêncio enquanto Cappelli tenta provar relevância no grito.
É nessa hora que a trama engrossa. A ABDI se transformou em cenário de um roteiro digno de série política: diárias que duram menos que reunião de condomínio, suspeitas de uso eleitoral da estrutura, repasses que mais parecem truques de ilusionismo e a velha sensação de déjà vu que só Brasília entrega. A Polícia Federal acompanha de perto. E o ex-xerife de 8 de janeiro, que antes posava como salvador institucional, corre o risco de virar cliente do mesmo sistema que antes elogiava.
A ironia é tão bem construída que parece provocação. Enquanto a agência sob seu comando vira assunto no TCU e no MPF, Cappelli age como se ainda fosse dono do palco. Só que Brasília não perdoa quem insiste em interpretar um papel que já foi repassado para outro ator. E o silêncio de Lula sobre o futuro do “projeto Cappelli” fala mais do que qualquer declaração pública.
Flávio Dino, hoje confortável no Supremo, também não demonstra disposição para gastar capital político defendendo o afilhado. Lealdades em Brasília têm prazo de validade curto. Às vezes expiram antes mesmo do primeiro ato.
Enquanto isso, Grass avança. Discreto, constante, quase invisível. Mas avança. Em tempos de ruído, utilidade pesa mais do que barulho. E, convenhamos, barulho é justamente o que não falta a Cappelli nas redes sociais.
No fim, o drama é simples: Brasília adora um protagonista imaginário. E poucos encarnam tão bem esse papel quanto Cappelli, que parece ser o último a perceber que o roteiro mudou. O palco é o mesmo, mas os refletores já estão apontados para outro nome. E quando a PF aparece para revisar o script, ninguém quer estar do lado errado da narrativa.
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